19 Junho, 2006

Pedro

Posted in amiguinhos às 00:44 por catarinia

Quando nasci, já tinha um amigo.

Cheguei à vida dele com uns meses de atraso, ele está na minha desde o primeiro dia. Conhecemo-nos desde sempre.

Crescemos juntos. Aposto que partilhámos chupetas às escondidas, aposto que comecei a andar para poder ir atrás dele, aposto que me nasceu o primeiro dente só para lhe mostrar que também já tinha um.

Ele faz parte de quase todas as minhas memórias de infância. Como o cheiro de leite quente com chocolate, pão com manteiga dos dois lados, um pacote de bolacha torrada para cada um. Nós todos besuntados de chocolate, a atafulhar a mana de Joaninhas, à socapa. A cidade dos Playmobil, eternamente em construção, eternamente inacabada e intocada até à próxima. «Mãe, só mais um bocadinho, estamos quase a acabar… Podemos voltar amanhã?» A mana a chegar e a mexer em tudo, a destruir a nossa cidade. E nós a berrar ao mesmo tempo: «RITAAAAAA!!! Tu não podes, és muito pequenina!» Visto a esta distância, sou capaz de apostar que eram eles, os pais, a mandá-la lá para nos acabar com a brincadeira e me conseguirem arrancar dali.

E a mini-mesa de matraquilhos! E as setas, o alvo e a parede toda esburacada à volta! Um milagre, não termos arrancado um olho um ao outro. E mais tarde esse portento que foi o Spectrum! Nós enterrados entre uma pilha de cassetes, hipnotizados a olhar para as risquinhas, eternidades à espera que um jogo entrasse. E o gravador desafinado, e nós a roubar a chave de fendas da máquina de costura da mãe para apertar aqui e ali, que também servia para desencravar as teclas de borracha. Depois os meus pais ofereceram-me um 128K, o topo dos topos dos Spectrum, e mudámo-nos lá para casa. Os dois encarrapitados no banco do estirador, num fenomenal exercício de equilibrismo e confusão de braços entrelaçados, para jogar Comando a quatro mãos – que o teclado era grande e as teclas demasiadas para duas mãos pequeninas.
«Pedro, chega-te mais para trás, que tou quase a cair do banco!»
«E tu desvia-te, que tás-me a pôr o cabelo na boca! Não consigo ver nada!»
«Não posso, depois não chego…»
«DISPÁÁÁÁÁÁÁRAAAAAAAA!!!!»

Um dia, foi morar para longe. Lembro-me de ir com os meus pais ajudar na mudança, e de ter sido um dia triste. Mas depois vieram as visitas, e as visitas eram uma festa! Fins de semana cá, fins de semana lá, e o "lá" era ao pé da praia! As primeiras férias que passei sem os meus pais, foram em casa do Pedro e da Rita. Estrelitas ao pequeno almoço, ao almoço, ao lanche e ao jantar! A primeira vez que andei de mota – uma acelera! – foi com o Pedro. A segunda, foi com a Rita – e caímos 10 metros depois de sair da garagem.

A partir de certa altura, as circunstâncias e a crescente independência dos respectivos pais, foram-nos afastando aos poucos. Não me lembro de nenhum motivo em concreto, a não ser uma sucessão de desencontros. Mas como acontece sempre com os amigos, os amigos de verdade, cada reencontro é uma continuação do último como se tivesse sido ontem, como se a conversa não tivesse acabado.

Quando nasci, já tinha um amigo. Ontem, ele casou-se. E ontem, estávamos lá todos, como se ainda estivéssemos na brincadeira no recreio da escola. À volta de uma mesa que se chamava "Na Terra dos Sonhos".

Curioso o Mestre também ter estado presente… Uma música em cada mesa, a "Estrela do Mar" para trazer para casa… Dá que pensar, esta paixão em comum. Foi concerteza alguma coisa que nos puseram no leite em criancinhas!

Gosto muito de ti, Amiguinho do coração!

12 comentários »

  1. MÃE said,

    Olá querida filha, hoje tive um bocadinho e passei por aqui. Não resisti à tentação de partilhar com o Julio o lindo texto que escreveste, por isso o copiei. Devolveu-me a resposta que transcrevo:

    "
    Olá Fátinha

    Tão bonito o texto e tão bonito tudo o resto quanto lhe está subjacente.
    A lágrima que contive no Sábado, quase saíu à rua agora.
    Não consigo expressar em palavras o quanto é gratificante e o quanto me faz feliz, sentir que a amizade que é a nossa desde há tanto, continua a florescer entre as nossas "sondas para o futuro" – os nossos meninos.

    Beijocas

    Olá FátinhaTão bonito o texto e tão bonito tudo o resto quanto lhe está subjacente.
    A lágrima que contive no Sábado, quase saíu à rua agora.
    Não consigo expressar em palavras o quanto é gratificante e o quanto me faz feliz, sentir que a amizade que é a nossa desde há tanto, continua a florescer entre as nossas "sondas para o futuro" – os nossos meninos.

    Beijocas

  2. catarinia said,

    Oh Mami… Pois nem sei que diga.
    Pronto, agora também fiquei com um nozinho na garganta.

  3. João Silva said,

    Revi-me neste post. Eu e a Magui 🙂

    Dar nomes de músicas de Jorge Palma às mesas foi uma ideia muito gira!

  4. _-Savannah-_ said,

    Desculpa a invasão, mas simplesmente adorei cada palavra do teu texto, transmitis-te a amizade que sentes por esse "Pedro" a toda a gente, e isso é muito bonito. Vou começar a ler todos os teus posts! Parabéns!

    Fica bem!

  5. catarinia said,

    Obrigada, Savannah.
    E não é invasão nenhuma, volta sempre que quiseres. 🙂

  6. tesouromio said,

    FANTASTICO…. FIQUEI SEM PALAVRAS… linda escrita… virei cá mais vezes

  7. Pedro said,

    Bonito! Julgo que todos nós vivemos momentos semelhantes….
    bj
    Pedro

  8. Bruno. said,

    É muito bonito o que aqui escreves. E, quanto ao teu amigo Pedro ter escrito, nas mesas, nomes de músicas de Jorge Palma, é bonito também. O Mestre. O Mestre. Amizade.

  9. Roma said,

    Bom, acho que foi o texto marlindo que já li aqui no Universo. Embora tenhamos uma pikena diferença de idade também cresci rodeado de Spectrum, Estrelitas e Playmobiles!! OS PLAYMOBILES MEU DEUS!!! Consegui guardar muitas das amizades da infância, outras não, ou se calhar não são verdadeiras amizades. Mas concerteza também tenho uns Pedros e Ritas a cujos estou à espera de ir. E descansa querida amiga, este teu post é tão bonito que nem sequer vou comentar as mesas do casamento do teu amigo… Beijão!

    PS: Já agora, se quiseres ir à Biblioteca das Gambelas amanhã às 17, conheço uma pessoa que teria o máximo gosto em ter-te lá. Talvez até tenha umas prendas para ti e tudo! 😉

  10. O Pedro said,

    O que dizer quando se lê um texto escrito desta forma?
    O que sentir quando falam de nós com tanta amizade e carinho?
    Sabes, o nó da garganta que partilhamos neste momento, é das coisas que mais felicidade me dão. Esta amizade que temos desde sempre e estas recordações em comum…
    Faz-me realmente feliz o facto de, mesmo após anos e kilómetros de distância, os nossos gostos se revelarem tão idênticos e sermos, ao fim ao cabo, tão parecidos em coisas tão improváveis.

    Enquanto houver estrada p’ra andar a gente vai continuar… amigos.

  11. Rita said,

    o texto é lindo…apesar de eu ser a má da fita…ou seja, eu sou a Rita 😦 … mas gostei muito deste teu cantinho 🙂 beijinhos

  12. catarinia said,

    Oh! Olha que tonta…
    A má da fita, a que propósito?! E de todas as vezes em que éramos nós a correr com o mano do “quarto das miúdas”, por ele ir lá meter o nariz e estragar a brincadeira?
    Ah, pois! 😉
    Beijocas, minha Linda!


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